segunda-feira, 19 de julho de 2010

Cap. IV) - TENDO FÉ, ATÉ PÍLULA DE PAPEL CURA.

Certo dia, um moço que se debatia com fortes dores provocadas por cálculos renais, pediu a Frei Galvão que o abençoasse para se livrar da dor. Compadecido, Frei Galvão começou a pensar em como poderia ajudar o rapaz, quando se lembrou do poder da Virgem Maria. Extasiado, rasgou um pequeno pedaço de papel e nele escreveu: "Depois do parto. ò Virgem, permaneceste intacta. Mãe de Deus, intercede por este rapaz". Enrolou o papel na forma de uma pílula e pediu ao moço que a ingerisse. Este, logo após ingerí-la, expeliu os cálculos e a dor sumiu. Mas, o derradeiro "milagre" que permitiu a canonização de Frei Galvão, depois de sua morte, foi aquele que curou Daniella, uma garotinha de quatro anos. Daniella, estava desenganada pelos médicos do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, porque não conseguiam curá-la de um hepatite aguda. Desesperada, como os demais membros da família, uma tia da garota lembrou das pílulas de Frei Galvão, pílulas que depois de sua morte passaram a ser produzidas por Freiras. Alguns dias depois de ingerí-las, Daniella, curada, teve alta.

A condição de curar por meio de "pílulas de farinha" ou outras substâncias inertes foi descoberta por volta dos anos 30 quando os laboratórios começaram a testar seus remédios, mas foi no decorrer da segunda guerra mundial que as substâncias inertes, tipo água, farinha açúcar e similares, passaram a ser utilizadas, em muitos casos com sucesso, quando nos hospitais de campanha ou na linha de batalha havia falta de drogas medicinais. Estas ocorrências, no após guerra, levaram inúmeros cientistas a pesquisar porque substâncias inertes, isto é, sem princípio ativo, também curavam. O resultado foi que em 1995, num artigo que ficou célebre, o americano Henry Beecher afirmou que pelo menos 35% dos enfermos podiam ser curados com esta metodologia. Mas, logo após, outras pesquisas passaram a indicar que a percentagem de doentes curados em alguns casos chegava a 80%. A cura por este meio passou a ser conhecido como "efeito placebo".
De lá para cá a ciência tenta entender quais são as características dos doentes que respondem positivamente ao "efeito placebo", mas as conclusões são controvertidas porque até agora a questão, que passa despercebida porque não é tangível, é crer, quer dizer, ter fé. Isso levou o psiquiatra Walter Brown a afirmar que responder ao efeito placebo é uma característica universal.
Um estudo clássico, feito no Japão em1962, recrutou 13 estudantes, todos voluntários, que em comum possuíam a característica de serem alérgicos à hera venenosa. Após vendar-lhes os olhos esfregaram em seus braços folhas de uma planta não tóxica dizendo-lhes que era a tal planta venenosa. Resultado, 12 deles tiveram reação alérgica.
Outra pesquisa, feita nos EUA na mesma época, envolveu 50 mulheres grávidas que sofriam náuseas e vómitos. Sujeitando-se à experiência, Stewart Wolf deu a cada uma dela uma dose de xarope de ipecacuanha, substância que por sua alta toxicidade deveria intensificar seus sintoma, dizendo-lhes, entretanto, que se tratava de um poderoso agente inibidor daquele mal-estar. Resultado: 90% deixaram de sofrer os sintomas da gravidez.
Em 1994, pesquisadores da Universidade do Texas escolheram 10 pacientes entre um universo maior que, por sofrerem de osteoartrite nos joelhos, aguardavam uma cirurgia. Resultado: os cinco que haviam tido o joelho aberto pelo bisturi, mas que nada havia sido feito além disso, isto é, a cirurgia fora placebo, ficaram curados como aqueles que tinham sido submetidos a uma cirurgia reparadora. Em seguida submeteram ao mesmo processo 180 doentes verificando nos meses seguintes que o sucesso placebo atingira 85% deles.
A resposta para o enigma placebo é a mente, pois quando o enfermo crê que vai ser curado, mesmo se o processo, sem que ele saiba, é placebo, passa a emitir vibrações que no cérebro, seu gabinete de trabalho, se transformam em secreção de hormónios, endorfinas, para ser exato, as substâncias naturais que ativam o corpo para reagir contra o sofrimento físico. É uma sensação psicológica, dizem os médicos, quer dizer, o crer no benefício do fármaco, seja verdadeiro ou não, aciona um mecanismo químico (só é visível em laboratório), que se torna responsável pela cura do mal sofrido.
Em outra experiência, acompanhada por um equipamento especial chamado PET, 14 jovens voluntários se submeteram a uma prática até dolorosa, a injeção nos músculos da mandíbula de uma solução salina, porque estavam cientes de que em seguida lhe seria fornecido um antídoto para que não sofressem dor. O antídoto, entretanto, sem que o soubessem, por ser placebo, eram gotas que provinham de um pequeno frasco que continha água pura. O que foi registrado no PET? No mesmo instante em que os jovens ingeriram o "antídoto", seus neurónios começaram a produzir endorfinas, substâncias também chamadas opióides endógenos que, ao se posicionarem em correspondência aos receptores da dor, os bloqueavam, impedindo, assim, que a sensação desprazeirosa da dor fosse transmitida de uma célula para outra.
Entretanto, sem que ninguém se de conta disso, o efeito placebo está presente no dia-a-dia de muitos enfermos, pois, mesmo sendo tratados com as mesma drogas, por sofrerem a mesma enfermidade, enquanto alguns se curam, outros se tornam doentes crónicos e outros, ainda, permanecem vitimados pela doença até que, alastrando-se, se torna terminal.
Porque? Por que o processo de cura de qualquer enfermidade, independentemente das drogas que são utilizadas, é tanto mais eficiente quanto mais intenso se faça o desejo do paciente de se curar, de vez que é a sua vontade, erguida ao limite máximo de aceitação, determina sobre si mesmo os mais elevados potenciais de cura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário